Personagens da 'Teca vs. Cinematecos
Pois, de facto existem uns belos cromos, especialistas em mandar calar*, no 39 da Barata Salgueiro. Como até tenho bom feitio, prefiro recordar aspectos pitorescos: uma senhor muito baixa que ri despudoramente em todo o santo filme que vê (era capaz de jurar que até em O Silêncio, de Bergman isso aconteceu), um grupo de idade relativamente avançada que se senta nos bancos a contemplar os cartazes e a discutir qual a actriz mais marcante: Bette Davis? Joan Crawford? Bacall? ou a fazer uns curiosos campeonatos que podiam chamar Eu já vi este e tu não? E que dizer de algumas senhoras de idade que, em plena fila para comprar bilhete, vão desfiando a história do "onde", "quando" e "com quem" viu o filme para o qual vai comprar o ingresso?
Mais do que os energúmenos que vão pululando pela Cinemateca, o que conta são aqueles que vão até lá por puro amor às imagens projectadas, seja como forma de escapismo a este mundo-cão, seja como divertimento ou distracção. São estes (e outros, claro) a que gosto de chamar, com o seu quê de irónico e de afectuoso, Cinematecos. São eles que transformam o velho Palácio numa espécie de pequena família onde os espectadores habituais acabam por se ir conhecendo, mesmo que muitas vezes não se falem. Assim mesmo. Com olhares e sorrisos cúmplices o mais das vezes. Prefiro esses hardcore anónimos a imbecis adeptos do silêncio. Afinal, são eles que acabam por dar algum encanto ao museu das imagens. Aliás, é por isso que, mesmo contra o que tal criatura poderá fazer ou dizer, que há que salutar atitudes como rir desbragadamente vendo La grande bouffe, por exemplo. Co'a breca, ver um filme não é o mesmo que cumprir um cerimonial religioso, embora tenha o seu quê de ritual, mas isso são outras histórias.
* isto lembra-me uma história curiosa, que, em bom rigor, permite definir o grosso dos espectadores dos cinemas ditos comerciais. Vai para dois anos, na integral dedicada ao François Truffaut, via eu La nuit américaine e um senhor, perdão, alguém decididamente mal educado, decide atender o telemóvel e pôr-se à conversa. Após uns belos (e merecidos) "cala-te com isso ou sai!", a criatura foi, efectivamente, convidada a sair por um espectador mais vigoroso. O leitor ocasional pode descansar, que eu fiquei absorto (dentro dos possíveis) e concentrei-me no filme. Só gosto de falar antes e depois do filme e não tenho feitio para mandar calar ninguém fora do meu contexto profissional.
14 Comments:
Se um desses cromos fosse a uma sessão de Cannes ou Veneza, e ouvisse as pateadas e aplausos no meio dos filmes ficava afónico de tanta mandar calar.
Lembras-te de alguém a mandar calar as risadas naquele filme com o Harry langdon?1?!?
...no "Run! Run! Run!", certo? Julgo que sim, mas como esqueço episódios patéticos e tenho fraca memória para palermas, acho que não sou fonte segura... :-)
"Tramp Tramp Tramp" :D
Esta cabeça. Definitivamente, a precisar de férias (ou, no pior dos cenários, de reforma) :-)
Deixaste-me com saudades da teca...
Eu sou um adepto do silêncio na sala de cinema. Acho que é um sinal de boa educação e respeito pelas outras pessoas que também lá estão e pagaram bilhete. Quem quiser desmanchar-se em gargalhadas e alardear banalidades, que veja o filme em casa.
Provocação pura (e tonta): querem que ver que és tu, Flávio, quem anda a mandar calar a populaça a eito no 39 da Barata Salgueiro?
Sim, também gosto. Mas há filmes em que isso é impossível: eu pecador me confesso, ao rever "la grande bouffe" na 'Teca ri-me que nem um alarve.
A sra baixa (que estava lá sempre que fui lá à tarde), o sr que não pode ouvir ninguém assoar-se ou tossir (já presenciei isso algumas vezes), os senhores de idade que chegam depois da hora e demoram cerca de 5 min à adaptar-se à falta de luz (uma vez tive de ajudar um a sentar-se e ele insistia em chamar-me de segurança e dizia "você devia ter uma lanterna"). Já não vou lá há algum tempo mas já tenho saudades apesar disto e também por isto.
E eu que adoro contorcer-me de riso no anonimato da sala de cinema a ver filmes como "Amici Miei" ou, sim, "La Grande Bouffe"...
mas de preferência só risos, sem um qualquer tosco que atenda o telemóvel: "olá Lena! epá, sabes, agora não me dá muito jeito falar, tás a ver?...epá, tou no cinema..."
Não sei se já repararam, mas essas pessoas que mandam calar na cinemateca, são sempre 3 ou 4 e se olharem para elas, percebe-se um perfil: são de meia-idade ou idosas, nota-se que tem claras perturbações mentais ou são seres algo sociopatas que provavelmente vivem sós.
Na Cinemateca existe todo o tipo de cromos. Os que mandam calar por tudo e por nada são deveras irritantes mas não tanto como os que vão para lá ter conversas de café. Acho que a personagem mais irritante é uma miuda que não falta a um nouvelle vague e que até já foi posta na rua por estar a jantar! dentro da sala, uma daquelas refeições com um horrendo cheiro. Ainda me ri à brava com essa situação mas na altura não achei piada nenhuma.
se calhar tinha fome de Cinema..
«Não sei se já repararam, mas essas pessoas que mandam calar na cinemateca, são sempre 3 ou 4 [...]»
Há tempos, vi um gajo no cinema a escarrar para o chão. Será que também dá encanto ao museu das imagens?
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