quarta-feira, abril 23

Personagens da 'Teca vs. Cinematecos

Pois, de facto existem uns belos cromos, especialistas em mandar calar*, no 39 da Barata Salgueiro. Como até tenho bom feitio, prefiro recordar aspectos pitorescos: uma senhor muito baixa que ri despudoramente em todo o santo filme que vê (era capaz de jurar que até em O Silêncio, de Bergman isso aconteceu), um grupo de idade relativamente avançada que se senta nos bancos a contemplar os cartazes e a discutir qual a actriz mais marcante: Bette Davis? Joan Crawford? Bacall? ou a fazer uns curiosos campeonatos que podiam chamar Eu já vi este e tu não? E que dizer de algumas senhoras de idade que, em plena fila para comprar bilhete, vão desfiando a história do "onde", "quando" e "com quem" viu o filme para o qual vai comprar o ingresso?
Mais do que os energúmenos que vão pululando pela Cinemateca, o que conta são aqueles que vão até lá por puro amor às imagens projectadas, seja como forma de escapismo a este mundo-cão, seja como divertimento ou distracção. São estes (e outros, claro) a que gosto de chamar, com o seu quê de irónico e de afectuoso, Cinematecos. São eles que transformam o velho Palácio numa espécie de pequena família onde os espectadores habituais acabam por se ir conhecendo, mesmo que muitas vezes não se falem. Assim mesmo. Com olhares e sorrisos cúmplices o mais das vezes. Prefiro esses hardcore anónimos a imbecis adeptos do silêncio. Afinal, são eles que acabam por dar algum encanto ao museu das imagens. Aliás, é por isso que, mesmo contra o que tal criatura poderá fazer ou dizer, que há que salutar atitudes como rir desbragadamente vendo La grande bouffe, por exemplo. Co'a breca, ver um filme não é o mesmo que cumprir um cerimonial religioso, embora tenha o seu quê de ritual, mas isso são outras histórias.
* isto lembra-me uma história curiosa, que, em bom rigor, permite definir o grosso dos espectadores dos cinemas ditos comerciais. Vai para dois anos, na integral dedicada ao François Truffaut, via eu La nuit américaine e um senhor, perdão, alguém decididamente mal educado, decide atender o telemóvel e pôr-se à conversa. Após uns belos (e merecidos) "cala-te com isso ou sai!", a criatura foi, efectivamente, convidada a sair por um espectador mais vigoroso. O leitor ocasional pode descansar, que eu fiquei absorto (dentro dos possíveis) e concentrei-me no filme. Só gosto de falar antes e depois do filme e não tenho feitio para mandar calar ninguém fora do meu contexto profissional.

14 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Se um desses cromos fosse a uma sessão de Cannes ou Veneza, e ouvisse as pateadas e aplausos no meio dos filmes ficava afónico de tanta mandar calar.

3:19 da tarde  
Blogger Daniel Pereira said...

Lembras-te de alguém a mandar calar as risadas naquele filme com o Harry langdon?1?!?

3:34 da tarde  
Blogger Hugo said...

...no "Run! Run! Run!", certo? Julgo que sim, mas como esqueço episódios patéticos e tenho fraca memória para palermas, acho que não sou fonte segura... :-)

3:40 da tarde  
Blogger Daniel Pereira said...

"Tramp Tramp Tramp" :D

7:55 da tarde  
Blogger Hugo said...

Esta cabeça. Definitivamente, a precisar de férias (ou, no pior dos cenários, de reforma) :-)

9:17 da tarde  
Blogger C. said...

Deixaste-me com saudades da teca...

9:38 da tarde  
Blogger Flávio said...

Eu sou um adepto do silêncio na sala de cinema. Acho que é um sinal de boa educação e respeito pelas outras pessoas que também lá estão e pagaram bilhete. Quem quiser desmanchar-se em gargalhadas e alardear banalidades, que veja o filme em casa.

4:55 da tarde  
Blogger Hugo said...

Provocação pura (e tonta): querem que ver que és tu, Flávio, quem anda a mandar calar a populaça a eito no 39 da Barata Salgueiro?

Sim, também gosto. Mas há filmes em que isso é impossível: eu pecador me confesso, ao rever "la grande bouffe" na 'Teca ri-me que nem um alarve.

5:01 da tarde  
Blogger Tradux said...

A sra baixa (que estava lá sempre que fui lá à tarde), o sr que não pode ouvir ninguém assoar-se ou tossir (já presenciei isso algumas vezes), os senhores de idade que chegam depois da hora e demoram cerca de 5 min à adaptar-se à falta de luz (uma vez tive de ajudar um a sentar-se e ele insistia em chamar-me de segurança e dizia "você devia ter uma lanterna"). Já não vou lá há algum tempo mas já tenho saudades apesar disto e também por isto.

8:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

E eu que adoro contorcer-me de riso no anonimato da sala de cinema a ver filmes como "Amici Miei" ou, sim, "La Grande Bouffe"...
mas de preferência só risos, sem um qualquer tosco que atenda o telemóvel: "olá Lena! epá, sabes, agora não me dá muito jeito falar, tás a ver?...epá, tou no cinema..."

11:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não sei se já repararam, mas essas pessoas que mandam calar na cinemateca, são sempre 3 ou 4 e se olharem para elas, percebe-se um perfil: são de meia-idade ou idosas, nota-se que tem claras perturbações mentais ou são seres algo sociopatas que provavelmente vivem sós.

10:51 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Na Cinemateca existe todo o tipo de cromos. Os que mandam calar por tudo e por nada são deveras irritantes mas não tanto como os que vão para lá ter conversas de café. Acho que a personagem mais irritante é uma miuda que não falta a um nouvelle vague e que até já foi posta na rua por estar a jantar! dentro da sala, uma daquelas refeições com um horrendo cheiro. Ainda me ri à brava com essa situação mas na altura não achei piada nenhuma.

4:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

se calhar tinha fome de Cinema..

10:52 da tarde  
Blogger Flávio said...

«Não sei se já repararam, mas essas pessoas que mandam calar na cinemateca, são sempre 3 ou 4 [...]»

Há tempos, vi um gajo no cinema a escarrar para o chão. Será que também dá encanto ao museu das imagens?

11:45 da tarde  

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