segunda-feira, março 26

Normalização igual a degradação

(Louis Skorecki, via As Aranhas)
Se quisermos generalizar esta afirmação a outras áreas, veremos que ela é absolutamente acertada. Pensemos no caso da literatura contemporânea: virou moda incensar Philip Roth, que até já conquistou três Pulitzer. Ora, também é interessante interrogarmo-nos sobre o porquê dessa unanimidade. Repare-se que outro escritor americano, bem mais polémico, parece ter sido esquecido pela crítica: Norman Mailer. A resposta mais óbvia, e também a mais cómoda, consiste em apontar baterias para os lóbis. Outro exemplo: Pérez-Reverte é um sucesso de vendas e parece fazer esquecer Javier Marías...
Repare-se que estamos perante um fenómeno comum a todas as áreas. Afinal de contas, qual o Júri de um Festival que não é insensível a pressões externas? Iosseliani, por exemplo, referia isso mesmo a propósito de um episódio havido num ido Festival de Berlim. Trata-se de algo imanente à natureza humana.
Se é certo que os filmes (ou os livros, ou as músicas) só são maus porque o seu público também o é, cumpre, pois, pugnar pela elevação dos padrões. Algo que, creio, estará nas mãos dos críticos, a quem se pede a separação entre o trigo e o joio. Generalizando um pouco mais, talvez seja, também, oportuno curar de tratar das responsabilidades das distribuidoras. Com efeito, a partir do momento em que o lucro é colocado cegamente a critério reitor da sua actuação, fica claro que os cinemas ditos alternativos não têm grande espaço de divulgação*. A continuar assim, teremos, pois, um lento e progressivo exercício de normalização e homogeneização cultural.
Reinará o pântano intelectual e a consequente preguiça mental: é mais fácil ver cenas movimentadas, repletas de tiros e explosões - e, já agora, com moçoilas de formas voluptuosas e em trajos menores - do que diálogos "estáticos" num qualquer filme. Entre o plano de 10-15 segundos que Hollywood impõe e os planos longos europeus (passe o lugar comum), o espector prefere a comodidade da sucessão rápida de imagens. Pensar incomoda como andar à chuva.Está visto. Aliás, basta reparar no facto de Letters from Iwo Jima não ter sido muito apreciado pela maioria dos espectadores (blogosfericamente falando...), em comparação a objectos menores e desnecessários como El labirinto del Fauno ou Babel.
Sendo assim, cabe perguntar se haverá sequer a hipótese de sonhar com a derrota desta lógica comercialista errada, que, a breve trecho, terá efeitos nefastos sobre todos. Os sinais de alarme estão aí. Talvez seja chegada a hora de os tentar inverter. Concretizando um pouco mais: quantas gerações perdidas para o Cinema serão necessárias em Portugal para que algo mude? Há que esperar, pois, que a máxima do Princípe de Salina não se aplique: É preciso mudar algo para que tudo fique na mesma. Sabe-se que a inércia é a força motriz da Humanidade, mas convenhamos que há limites.
* o mesmo vale, mutatis mutandis, para outras áreas (Literatura, música, et cetera)

14 Comments:

Blogger Miguel Domingues said...

Bom, começando por Roth, de quem li apenas o excelente The Plot Against America, e a sua oposição a Mailer, importa dizer que o problema aqui parece ser outro: alguma homogeneização da crítica. Não existindo nada que se possa chamar de "a crítica", há um certo background que é exigido como normalizado a quem a quer escrever. Imagina alguém a entrar pelo Público a dentro a dizer que quer fazer crítica de cinema, e que gosta sobretudo de filmes de acção americanos... seria corrido à pazada... Essa homogeneização relativa, que no limite até produz, pela exigência de escolha, o elevar dos padrões de que falas, pode criar defesas de certos artistas por parte da crítica. Lembra-te que o que dizes é muitas vezes dito, por exemplo, da relação da crítica de cinema com o Manoel de Oliveira... E, depois, se o Roth tem melhores publicistas que o Mailer, a culpa não é do Roth.

O consumidor de arte dos tempos que correm tem todas as condições para ser melhor do que os seus antecessores, porquanto teve acesso a mais arte. A digitalização, se provoca dores no momento de escolher entre a abundãncia, também aumenta exponencialmente o conhecimento.

A questão fundamental, a meu ver, prende-se com a divulgação. Ao contrário de ti, creio que a educação institucional não é cem por cento fundamental; se os filmes do Michael Bay fossem mostrados em aulas, ninguém gostava deles. Perderiam o travo a entretenimento e tornar-se-iam trabalho. O essencial é procura individual, a liberdade de escolha. E só há liberdade de escolha quando há hipóteses. O capitalismo actual arvora-se em especializado, mas nunca explora o nicho. Substitui o nicho pelo segmento, que é muito mais alargado e muito mais pobre. Só nessa altura, quando certos filmes forem tão exibidos, temporal e espacialmente, quanto os blockbusters poderemos dizer se os cinéfilos são bons ou maus. Só aí se dará a revelação de que existem cinemas e não apenas o cinema.

Eu, pessoalmente, diria que os cinéfilos se calhar não são grande coisa porque não têm a liberdade de escolha suficiente. E, sobretudo, porque não procuram fugir a esses entraves, e construir os seus próprios percursos. Se outros filmes fossem mostrados, talvez pudéssemos ter uma medida mais correcta do que valem os nossos cinéfilos. Até lá, é muito dificil.

Cumprimentos,
Miguel Domingues

9:29 da tarde  
Blogger Hugo said...

Miguel,

Quanto ao Roth: sim, é um escritor banal(zinho). É um Faulkner em ponto pequeno a quem falta a lata e a independência intelectual de Mailer, autor que não prima pelo politicamente correcto. (Comparemos um The Naked and the dead e um Executioner's song a um American Pastoral e a um The plot against America e acho que fica claro como água quem é o grande escritor... :-) )

Passando ao que interessa: é certo que há uma normalização da distribuição. Mas isso não impede, acho, a procura de coisas diferentes. O que critico é o "cinéfilo" de trazer por casa. Aquele que prefere acomodar-se ao que se exibe no multiplex de um qualquer centro comercial em vez de procurar outros sítios (ainda há uns poucos. Mas eles existem). Concordamos nisto, penso eu.

Aliás, com a oferta do mercado de DVD (sobretd o estrangeiro), sempre se pode ensaiar a greve ao Cinema-pipoca (a má Hollywood) e procurar ver coisas boas (sem preocupação de exaustividade: Rosselini, Melville, Lang, Murnau, Ozu, Mizoguchi, BResson, Bergman, Chabrol, Godard, Antonioni, Fellini, Visconti...

E sim, há uma certa normalização na crítica. O que eu lhes "exijo" é, em última análise, pugnarem pela elevação de padrões (felizmente há os que o fazem).

A final, o problema é, digamos, sistémico: a forma como está construído o sistema comercial de Cinema não deixa espaço para nichos. FIca-se, quando muito, pelos segmentos. Juntemos a isto o facto de as reposições serem, praticamente, um exclusivo da Cinemateca e fica tudo dito. Talvez falte a vontade de alguém explorar comercialmente essa vertente (como acontece em França...).

Libedade de escolha sim (ponto indiscutível), mas, de preferência, com maior variedade de oferta. Esse seria, provavelmente, o primeiro passo para se mudar este cenário (e, já agora, o regresso dos belos dos ciclos de Cinema na 2: ...)

É impressão minha ou não discordamos em muito?

Abraço!

9:48 da tarde  
Blogger Miguel Domingues said...

Eu diria que, excepção feita ao Roth, concordamos em tudo. O que tento dizer é isto mesmo: "Libedade de escolha sim (ponto indiscutível), mas, de preferência, com maior variedade de oferta." Com a diferença de que substituo o "de preferência" por um rotundo "obrigatoriamente". Porque mesmo nós, que vamos à Cinemateca e fazemos greve à má-Hollywood, estamos limitados ao pouco que nos dão. E essa rarefeição de diferença não se alterou com o aumento das estreias em sala...

Take Care,
Miguel Domingues

9:56 da tarde  
Blogger Capitão Napalm said...

Provocação: ainda ontem revi o The Departed, e nem por acaso, voltou a ficar-me na retina o autêntico bombardeamento de planos de dois...três segundos no máximo, sobretudo na primeira hora. É uma característica-base da maioria do cinema de Hollywood, essa questão dos planos curtos, ou não excessivamente longos, e não penso que seja por aí que devemos aquilatar se uma obra tem qualidade ou não; o segredo está no trabalho de montagem, como bem sabes, e é óbvio que nem vale a pena comparar os planos eléctricos do Bay ou do miserável Tony Scott com os prodígios elaborados do Scorsese, do Wong Kar Wai pré-In the Mood for Love,e mais outros que agora não me lembro, que o sono já é muito. Confunde-se muitas vezes plano-fixo com cinema de autor, escreveram os Cahiers há uns anos. Bem sei, quando referes os planos de dez ou quinze segundos no máximo, que te estás a referir ao mais preguiçoso e banal cinema mainstream-e aqui ressalvo que o francês caminha a passos largos para igualar ou superar em indigência o norte-americano-,mas senti necessidade de escrever isto. Quanto ao resto, obviamente concordo com quase tudo, menos as diatribes contra o filme do Del Toro e o Roth:P

1:22 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro Hugo,

que achaste da eleição de Salazar como o português mais importante?

A tua atitude com a audiência de cinema é ditaturial. Desculpa mas sinto isso que queres? E certamente não serei o único. Acho repugnante todo este tipo de textos de guerrilha. O problema de opinion-makers blogosféricos como tu, é a tentativa de institucionalização de uma cultura pseudo-intelectual e uma degradação de tudo o resto que não se junta a esse movimento. Desculpa, mas a tua atitude com os espectadores de pipoca é de uma censura lamentável que apenas sustenta a tua identidade perturbadora. Cada género merece um determinado prisma crítico e tal não significa que um filme de acção seja inferior a um Pedro Costa. Da mesma forma, cada espectador pode interpretar um filme consoante sua disposição existencial e isso não faz dele menor que outrem. Da mesma forma e da última vez que olhei, a liberdade de expressão existe, ou será que queres cortar o pio às pessoas porque te julgas superior em interpretação.

Enfim, ditaduras deploráveis.

9:54 da manhã  
Blogger Hugo said...

Peeping Tom: não podemos concordar em tudo, não é? :-)

Rui alves: Quanto ao Salazar, só há um comentário: no comments. O Prof. Dr. Rosado Fernandes explicou isso muito bem na hora. (e eu concordo).

Não se trata de atitudes ditatOriais. Trata-se de "tentar abrir o olho". A ditadura que existe é a do próprio circuito comercial, que aniquilou, praticamente, os Cinemas alternativos. Se tiver a oportunidade de reparar nos filmes em cartaz durante um ano, certamente verá que Hollywood sufoca o resto. O problema é que se trata da má Hollywood.

E o espectador que faz? Comparece na sala e vê o que lhe dão. Em vez de reinvindicar mais qualidade e coisas diferentes. Isso tem um nome: preguiça intelectual (e isto é um eufemismo).
Não é uma questão de se juntar ao movimento. Só critico os que falam mal de certos autores (pensamos, por comodidade, em Straub-Huillet e Pedro Costa ou César Monteiro) sem sequer terem visto ou saberem do que estão a falar. Contra opiniões bem erigidas/fundamentadas (mesmo as discordantes da minha) não terço armas. Até as acho salutares. Já as que mostram ignorância não têm a mesma sorte.

E este não era um texto de guerrilha. Era uma glosa ao Skorecki (basta ver que há um link por cima das minhas linhas de texto). Convém não confundir as coisas.

10:48 da manhã  
Blogger Luís A. said...

Parabens pelo Blog! Adicionei o teu blog no meu, passa por lá e dá-me as tua opiniões!:)

um abraço
luís

11:26 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Como sempre, um post que padece do (suposto) problema que pretende veemente atacar. Uma repetição estonteante de lugares comuns, totalmente desprovidos de significado e, como já foi apontado, relevadores de uma desesperada "tentativa de institucionalização de uma cultura pseudo-intelectual e uma degradação de tudo o resto que não se junta a esse movimento". Além disso, o tom (sempre) condescendente das respostas a qualquer comentário "não alinhado" é, no mínimo, antipático e revela "mau perder". A oposição às ideias que se querem dominantes incomoda como andar à chuva...

11:48 da manhã  
Blogger Daniel Pereira said...

"Tudo" critíca o Hugo e a única coisa que ele está a tentar fazer é alargar os horizontes cinematográficos de quem o lê. Isso a mim parece-me muito bem. Dou um exemplo pessoal: nunca tinha dado grande importância ao nome Jean-Pierre Melville e desde que o ouço/leio é daqueles cineastas que provoca uma urgência de descoberta.

Isto para dizer que é um pouco estranho, e mesmo triste, que se implique com o Hugo por ele resistir, muito coerentemente diga-se, ao sistema de distribuição implementado (se lerem com atenção, é ele o principal visado).

É certo que o Hugo utiliza um tom forte na sua escrita, mas esse é também um dos problemas da blogosfera: aqui lê-se e escreve-se, nunca se fala cara a cara. Se assim acontecesse, creio que perceberiam melhor os seus intentos. Não havendo essa possibilidade, é necessário tentar esquecer o tom e ir directamente aos argumentos e aos intentos dos textos do Hugo.

Ou seja, porquê fazer do Hugo um ditador, quando ele luta, evidentemente a meu ver, contra o sistema ditatorial implementado? Era isto que queria dizer.

Cumprimentos a todos, porque todos gostamos de cinema,

Daniel Pereira

12:28 da tarde  
Blogger Ricardo said...

Um texto interessante o teu. So um senao: eu nao reduziria a preguica intelectual a um factor tipicamente portugues, isso tambem se aplica por exemplo ao Reino Unido. E verdade que existe substancialmente maior oferta cinematografica em relacao a Portugal, mas quando se vao a ver as coisas proporcionalmente em termos de razzle dazzle, a percentagem de publicidade e gigantismo da ma Hollywood e ainda maior por estas bandas. Creio que grande parte da culpa vai para os jornalistas e para a imprensa, nao para o povo.

Segundo a minha experiencia, o que tu pedes (e que eu adoraria que acontecesse) e impossivel, pois isso implicaria lutar contra todo o mundo. Mas pode-se sempre tentar alertar sobre um cinema diferente e se tu fizeres 5 ou 6 pessoas descobrirem Straub e Huillet ja e uma enorme batalha ganha. Eu por exemplo gabo-me de ter convencido amigos a verem e a adorarem o “Vertigo”, que apenas conheciam Hitchcock de nome. O que importa e as pessoas falarem umas com as outras e o resto do mundo que se lixe.

De qualquer forma, belissimo e oportuno texto, como sempre.

Forte abraco,
Ric

3:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Peço novamente desculpa se não conseguem perceber isto, mas alguém que rotula filmes como "objectos menores", "desnecessários", ou emprega adjectivos como "sobrevalorizado" ou "subvalorizado" é alguém que ignora completamente a opinião de outrem. E sinceramente, estou farto de pessoas deste calibre, que abundam nestes meandros blogosféricos. O respeito é uma virtude humana e deveria ser difundida nestes espaços frios.

Lutar contra sistemas ditaturiais com ditadura é asqueroso (e isto é um eufemismo). Basta de verborreia com linhas totalitárias.

Porque não seduzir outrem para gostos que acarinhamos, em vez de tentar denegrir e ridicularizar quem não aprecia o que admiramos?

Desculpa Hugo, mas de cinéfilo tens tanto como um espectador maravilhado com o Epic Movie ou com o Eddie Murphy de borracha: nada! Falta-te respeito. Compreensão pela verdadeira forma de contemplar Cinema. Cada qual venera o seu DEUS. Porquê vilipendiar quem não idolatra o nosso? Isso é despotismo (e isto é um eufemismo).

3:50 da tarde  
Blogger Hugo said...

Ricardo, Daniel, muito obrigado, companheiros.

Daniel: já pensei em recrutar-te para ajudares nos textos alemães, mas daí a seres meu "tradutor" oficial... :-)

Rui Alves: a partir do momento em que se chega ao insulto, o diálogo cessa. Aliás, quando se passa para o insulto sem sequer tentar limitar a eficácia dos argumentos alheios (se é que os meus têm alguma...) isso é sinal de falta de razão. Acho eu.

4:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Meu Caro, sempre me dirigi com o prefixo "desculpa" no que te tento fazer ver. E não te roguei qualquer insulto, ao contrário do que prevaricas. Insultos, são as atitudes que tomas com as demais opiniões que se afastem do teu raio de divina pseudo-cultura cinematográfica. Pelas respostas a comentários, espero que teus restantes visitantes consigam entender realmente o que intentas implementar de forma arrogante. Clamo respeito e acusas-me de insultos, tentando arremessar areia para os olhos daqueles que vislumbram que insultos chispam das tuas redacções. E isso meu caro, é miserável.

4:52 da tarde  
Blogger Flávio said...

«é mais fácil ver cenas movimentadas, repletas de tiros e explosões - e, já agora, com moçoilas de formas voluptuosas e em trajos menores»


Para mim, há metafísica que chegue nas formas voluptuosas da Pamela na Barbwire, acho que levanta os padrões todos.

12:37 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home