quinta-feira, outubro 30

domingo, outubro 19

Paciência



Autismos à parte, cada vez mais prezamos a forma delicada e atenta de ver o Mundo de Ozu ou de Naruse. Se o último gosta de acariciar as mulheres com a câmara, Ozu diverte-se a centrar-se no quotidiano - portuguesmente falando, a agarrar num funcionário público e na sua bica matinal - para, com humor e economia de meios, traçar um enredo complexo, dominados pelo sentimento e, sobretudo, pelo que não vemos, mas pressentimos. É, provavelmente, a mais pura forma de fazer Cinema e, simultaneamente, a melhor forma de habitar neste mundo-cão: sentado, a um canto, vendo todos os outros a prosseguir com os seus pequenos grandes dramas pessoais. Sem espalhafato. Apenas com paciência e qualidades de observação.

sábado, outubro 18

Autismo

Reagir perante a adversidade do Mundo de forma autista, julgando que podemos conquistá-lo e modelá-lo à nossa vontade. Algo que todos, mais cedo ou mais tarde, sonhamos. Se em Die Blechtrommel Oskar Matzerath é bafejado com esse dote supremo, o seu egoísmo maquiavélico cede, em teoria, perante um gesto mais simples: tapar os ouvidos e ignorar o mundo em volta. É, precisamente, o que acontece no segmento de Claude Chabrol de Paris vu par... e, no mundo real, também é assim que todos nos comportamos. Ao realismo mágico, o pragmatismo.
Ou, se se preferir, à recriação de efeitos de Mélliès e à emulação do cinema mudo de Schlondorff, devidamente temperados pela fantasia mágica do romance de Grass, neste recanto prefere-se a simplicidade aparente de tentar captar a realidade*. Por outras palavras, revemos Die Blechtrommel e não conseguimos dizer nada excepto "excelente adaptação". Provavelmente a precisar de mudar os óculos que se colaram ao meu nariz, não vejo mais nada para além disso. Um docudrama, que entretém com qualidade e, por sinal, dá ares de Cinema, isto é, de um objecto que conhece a História que correu antes da sua feitura. Mais nada.Estranhamente, gosta-se do dito. Mas não o suficientedo que para o rever de quinze em quinze anos.
Adenda: Não que por aqui não se goste de opulência. Todavia, nessas alturas ficamo-nos pelo negativismo decadente de Visconti ou pelo impressionismo de Ophüls e a sua câmara a dançar valsas. Felllini, o grande mentiroso, é um universo completamente à parte disto tudo.

sexta-feira, outubro 17

Cefalù


Cefalù, aristocrata decadente, de olhar afectado e sobrolho franzido. Decadente no bem estar económico, do mesmo modo que o ambiente envolvente é pautado pela decadência de costumes e por uma família patriarcal erigida em modelo superior de cultura. Divorzio all'italiana, a comédia negra que esconde uma crítica social perspicaz ao anacronismo da família erigida em torno do bonus paterfamilias e da exacerbação desproporcionada da honra. Ontem como hoje, uma obra-prima da comédia, plena de actualidade. E um Mastroainni soberbo.

quarta-feira, outubro 15

Revisões

As revisões têm disto: relembrar cenas que marcaram, ideais que jaziam algures numa caixa perdida na cave. Le salaire de la peur, para além do seu anti-americanismo latente, faz tomar consciência de uma coisa tão óbvia e corriqueira que por vezes nos esquecemos dela: o lucro, por via de regra, alcança-se à custo de algo ou de alguém. O lucro torna-nos vazios, cegos e prontos a cometer loucuras. O lucro consome a bondade do Selvagem que somos. É um Leviatã. O Mundo não é um local para pessoas afáveis ou propensas à simpatia. O Mundo, esse que guia todos os outros que se vendem é um sítio feio. De tanto vermos a violência, parecemos esquecer o óbvio.
Clouzot, com a mestria no domínio do suspensa e da magistralidade a criar ambiente e a esculpir figuras e rostos por entre luzes e sombras, limita-se dramatizar e exponenciar o óbvio. O Mundo é sujo e feio. A ironia reside no facto de ser o Cinema a lembrar-nos isso.

domingo, outubro 12

O Cinema é isto

Vemos os espectadores a entrar, tomando o seu lugar; vemos uma peça representada como se estivessemos num teatro; de repente, vemos um filme projectado lá ao fundo e, de repente, já estamos no meio das imagens propriamente ditas. É esta fusão, esta capacidade de nos fazer navegar entre mundos diferentes, não distinguindo, ao certo, o que vemos, que resume o Cinema.
É Oliveira, é Le soulier de satin, uma projecção no infinito, perdida entre a História, a ficção e a reflexão sobre a Arte.

domingo, outubro 5

Le bonheur n'est pas gai


Esplendoroso Ophüls, que me relembrou o prazer puro e simples do Cinema, enquanto ia ruminando em tudo o que me rodeia. O movimento de câmara que se assemelha a uma valsa, dançada graciosamente enquanto descemos ao âmago da questão: o prazer que todos procuramos e que dificilmente alcançamos. Em Ophüls tudo se funde, rendido à câmara. Já o espectador, esse, arrisca-se a sair perdido no manto de névoas que serve de moldura às personagens.
No fundo somos todos como o dançarino da sequência inicial: na busca egoísta do prazer, pomos uma máscara para não sermos reconhecidos ou para maquilhar a idade que se faz sentir.Fazendo-o, perdemos o controlo. Caímos no abismo e tornamo-nos marionetas nas mãos do nosso egoísmo.