sábado, maio 31

Mr. Peeping Tom chamado à recepção

Estoutro portista, junta-se a este companheiro de armas, a este habitual companheiro de 'teca, ao touro enraivecido e ao ilustre Harry Madox: Peeping Tom, volta! Qual câmara ardente para o Mil e tal filmes, qual quê!
Ó homem, não se desgrace!

segunda-feira, maio 26

Confusões de planos

Don Quijote, de Orson Welles

Dei por mim, por mero acaso, a reler o Quijote, de Cervantes no castelhano original, devidamente acompanhado por providencial companheiro de leitura: Vida de Don Quijote y Sancho, de Miguel de Unamuno. Num pequeno ensaio que abre a obra, El sepulcro de Don Quijote, lê-se esta actualíssima máxima:
“(...)Esto es una miseria, una completa miseria. A nadíe le importa nada de nada. Y cuando uno trata de agitar aisladamente este o aquel problema, una u outra cuestión, se lo atribuyen o a negocio o a afán de notoriedad y ânsia de singularizarse.
No se compre aqui ya ni la locura. Hasta el loco créen y dícen que lo será por tenerle su cuenta y razón. Lo de la razón de la sinrazón es ya hecho para todos estos miserables. Si nuestro señor Don Quijote resuscitara y volviese a su España andarán buscándole una segunda intención a sus nobles desvaríos.(…)”

Indirectamente, Unamuno aponta um dos grandes problemas de todos aqueles que tentam ou tentaram levar Quixote ao écrã: a tentativa de narrar de forma as aventuras fantasiosas desta personagem que se vai passeando na ténue fronteira da realidade e da fantasia que habita a sua mente parece ser avessa ao Cinema, seja na sua vertente puramente fantasiosa, seja numa vertente puramente realista, dado que D. Quixote é, precisamente, a tangente que une e separa o mundo real do imaginário subjectivo, unindo, confundindo e mesclando este universos complementares.
D. Quixote é, por si só, uma personagem propensa a ficar bem em qualquer plano, tal é a imponência da sua figura. Saber ligar com conta, peso e medida os vários episódios das suas desventuras é a pedra-de-toque e o desafio supremo de todos os que se lançam à adaptação.

domingo, maio 25

In one word: emotion

Reaccionário, fascista, racista...o rol de epítetos contra Sam Fuller não acaba e, certamente, deve-se - este não é um caso virgem - à ignorância, à falta de conhecimento, à incapacidade de ver ou, pior, não querer ver. Bastaria o magnífico Pick-up on South Street para provar como tudo isso está errado: esqueçam os comunistas, a guerra fria e todo a realidade histórica que baliza o filme.
Em Pick-up on South Street o que conta é algo muito diferente: é a (falsa?) redenção de um pequeno criminoso, a ética de um submundo de pobres diabos, a sua lealdade. Fuller condensa toda a emoção na sua câmara: seja nos grandes planos de Widmark e Peters, seja no bailado visual que acompanha o espancamento de Peters ou uma luta no nos túneis do metro. Só isso conta. No fim, acendem-se as luzes, e, por momentos, acreditamos que temos direito à redenção, que a vida, apesar das agruras, é bela e que, ao virar da esquina, estará alguém pronto a salvar-nos. Lírico e...violento? Claro que sim. Tal como o quotidiano que nos envolve.
E até dá vontade de citar o outro carteirista, o de Pickpocket: drôle de chemin.

quinta-feira, maio 22

Momentos

Pura e simplesmente, há momentos sublimes.
Seja como na passada Terça, vendo Aida e Lorenzo trocando olhares, perfis esculpidos no céu longínquo e tendo essa imagem na mente noite dentro, por entre contratos e peças processuais que o dever obrigou a fazer, enquanto, à guisa de inspiração, sonhava, escutando Aida cantando para Lorenzo. Seja como hoje, em que este espectador incauto esbarrou com uma fila em pleno Monumental - à entrada e à saída do Cinema - para ver Henry Jones, Jr., vulgo Indiana Jones, desta feita em versão envelhecida.
O Cinema tem muitas magias, mas uma delas é, certamente, esta capacidade de fazer sonhar, de permanecer na memória para além do momento em que se acendem as luzes e somos abraçados pelo frio da rua ou, tão-somente, nos fazem tomar um pequeno banho de chuva para ver aquilo que já sabíamos: Indy acaba sempre bem. Como qualquer herói que se preze, tem sempre direito ao final feliz. Como nós, que acabamos por guardar cá dentro esses momentos singulares que ficaram gravados na memória.

quarta-feira, maio 21

Oficialmente rendido ao Cinema de Valerio Zurlini.

domingo, maio 18

Heresias, ou da acrítica

um post falsamente reflectido e assaz desencantado:
À saída do Les Parapluies de Cherbourg, devidamente enleado pela magia das notas e pelas cores fulminantes, não deixei de ouvir um lamento duas filas atrás de mim: Isto é cantoria a mais. Horas antes ouvi algo ainda mais inaudito: Aquilo do Playtime é ridículo. Qual é o sentido de ver os disparates da quele velhadas? Do mal o menos, sempre me pouparam ao já clássico: Qualquer coisa é mais emocionante do que um filme do Manoel de Oliveira. É em alturas dessas que, interiormente, lanço um comedido e sopesado Bardamerda p'ra isto. Bardamerda irónico com o seu quê de tristeza, claro está.
Barbaridades destas são, tão-somente, o resultado da alimentação fast-food cultural: receber acriticamente idéias pré-concebidas e, acto contínuo, papagueá-las à exaustão, de forma convicta, contra qualquer pedaço de criação que, de alguma forma, tente lançar-se contra este lodaçal. Caro leitor de ocasião, se julga que isto é o mero lamento deste projecto de cinéfilo, faça as devidas adaptações a outros campos. Certamente verá que esses grandes génios literários como José Rodrigues dos Santos, Margarida Rebelo Pinto ou Paulo Coelho* serão modelos de conduta contra "coisas" como um Pavese ou um Walser (é sempre conveniente explicar que não são nem marcas de vestuário nem automóveis, diz-me a experiência). Uma Velho da Costa, um Rui Nunes, uma Llansol ou uma Teresa Pereira. Uma Adília Lopes ou um Pimenta. Triste país de entretantos este que, estultamente, continua alegremente a exibir a incapacidade de pensar naquilo que lhe oferecem sem pensar nos méritos que têm.
Repara bem, paciente leitor, que o lamento nem é de agora: já o Eça terçava armas contra as sebentas. Isto que se vai ouvindo da, passe a expressão, vox populi é precisamente isso: a sebenta oferecida pelo-aparelho-instrumentalizado-no-luso-quintal-para-estupifidicar-o-cidadão, vulgo televisão.
* Lobo Antunes e Saramago já não entram nestas contas. Foram institucionalizados - a Agustina para lá caminha também - e qualquer um fala deles. Permito-me duvidar que muitos os tenham lido. Estudos empíricos, perdão, várias conversas informais em que este que ora vos escreve é o mínimo denominador comum, permitem-me deduzir tal facto. E não, desde já confesso que não li tudo de ambas as "instituições". Infelizmente, falta o tempo.

sábado, maio 17

Encantar

Um Demy é,com efeito, uma coisa à parte. É a música, a cor, o sentimento latente, mas, para além de tudo isso, é uma câmara que paira fazendo-nos dançar etereamente por um mundos de sentimentos exacerbados. E mesmo quando parece que a lamechice vai estourar, mesmo quando julgamos estar no mais perfeito e banal romance cor-de-rosa, damos por nós rendidos ao encanto de uma nota que se faz ouvir vibrante ou dócil, ao travelling ou, tão-somente, ao rosto expressivo que enche o écran. Precisamente o golpe de asa que nos lembra que isto não é nem filme, nem musical, nem qualquer outra coisa. É uma coreografia irreal. É um Demy. Ponto final parágrafo.

segunda-feira, maio 12

Mr. November

Da última vez que tinha assentado arraiais na Aula Magna foi para ver o Doutoramento de alguém por quem tenho muito apreço. Tese brilhante e sova à altura, como mandam os manuais. Ontem, o espaço que "fazia lembrar a ONU" viu algo inaudito: a absoluta empatia entre os "examinandos" e o júri, um público que, ainda a coisa não tinha começado e já estava rendido à argumentação dos The National. Foi bonita a festa, pá. Muito mesmo.
I won't fuck us over, i'm Mr. November.

domingo, maio 11

É hoje

sábado, maio 10

Homenagem a Werner Herzog

Não me canso de dizer que cada coisa
pode ser o contrário do que é.

quando digo que cada coisa pode ser
o contrário do que é, sei perfeitamen
te o que digo e isso e isso que quero di
zer e não o contrário, embora o contr
ário também esteja certo, porque cada
coisa também pode ser o que é.

a função das coisas é ser aquilo
que se quer que elas sejam.

Alberto Pimenta, Metamorfoses do video, José Ribeiro, editor, 1986

quinta-feira, maio 8

Mudar de Vida

"Lembraste-me longe, esqueceste-me perto"

Eis um exemplo de um dos mais singulares casamentos: os diálogos de António Reis, que nos fazem cair na mais chã das realidades, temperada pelo lirismo subtil da palavra e da imagem, o "som feio" que Carlos Paredes sempre quis tirar da sua guitarra e a câmara de Paulo Rocha, que nos guia entre os pescadores do Furadouro, sempre entre a aparência de documentário e o melodrama de Adelino e Albertina.
Filme de extremos: entre os rostos esculpidos que lembram La terra trema, a profundidade de campo que os filmes "neo-realistas" de Rossellini popularizaram e o tom etnográfico que um certo cinema português sempre soube cultivar. Mas com um quid que o diferencia - é incrível como vemos um Portugal que não parece oco e forjado à custa da encenação - e torna quase único, mas não algo esotérico, apesar da influência japonesa, ou não encontremos planos que lembram Mizoguchi. Talvez, precisamente, a conjugação do trabalho de três personalidades tão díspares e uma simbiose quase perfeita de tanta e tão diferenciada influência.

domingo, maio 4

Uma conversa de Cinema...

...que acabou nos livros do Libertário Pacheco. Numa animada conversa com um prestável e cultíssimo alfarrabista, perante o meu folhear curioso de uns antigos cadernos de Cinema e de exemplares de O Cinéfilo, sai um provocador:
- Em coisas de Cinema, nada como cineastas cultos dotados com grande talento para a escrita.
- Ora nem mais - grunho, continuando a folhear os caderninhos.
- O César Monteiro, esse sim. Um Pacheco temperado pela graça de Hölderlin, a ironia de Guerra Junqueiro e o desencanto célininano. Por falar nisso, tenho aqui Céline e, se gostar, umas coisinhas do Pacheco...
- Pois, se for o Pacheco versus Cesariny não vale a pena, que já estou muito bem servido. O mesmo vale para o Céline. Para além do mais, era humor vitriólico e desencanto em demasia para um dia tão católico.
- (risos) Melhor, muito melhor. Veja lá isto:


Livros, perdão, livros e folhetim devidamente acautelados debaixo do braço, não fosse o Diabo tecê-las, a conversa continuou: Vítor Silva Tavares e a sua magnífica &ETC, histórias de Cardoso Pires e o inevitável regresso a Max Monteiro e às suas taras literárias. Resultado: Pacheco veio acompanhado dos 120 dias de Sodoma, do Divino Marquês. Um raccord curioso com o mote da conversa, por sinal.

sábado, maio 3

Certeza Existencial

Já se sabe que, de uma forma ou outra, todos nos reuniremos num qualquer círculo vermelho para decidir o destino. Mais do que essa certeza existencial, se há momento capaz de marcar em Le Cercle Rouge é uma cena "secundária" em que Jansen*, o ex-polícia decrépito, olha para um armário vazio, sorri e afirma que fechou os seus animais no armário. Apenas porque lhe foi dado um voto de confiança pelos cúmplices no assalto. Assim, sem grandes delongas, eis que Melville resume o elemento fundamental para o sucesso de uma qualquer tarefa.
* o facto de gostar muito de Montand enquanto cantor e de ficar sempre impressionado com Z! ou Le salaire de la Peur não tem nada a ver com isto.