segunda-feira, março 17

sábado, março 15

Do vazio

Quando passamos dias a ver transeuntes do outro lado da janela, lá bem em baixo, correndo, andando, saltando rua fora e o mais perto que estamos da Vida é a recordação constante dos minutos iniciais de Jules et Jim ou os dramas de Guido Anselmi, é sinal que algo vai mal no reino.

sexta-feira, março 14

A afirmação absoluta

Expliquem-me isto, se fazem favor, como se eu tivesse 5 anos, fazendo, se necessário, um desenho/quadro justificativo. É que fazer afirmações de teor absoluto sem curar, sequer, de tentar justificar o porquê e, a final, escudar-se na subjectividade parece, manifestamente uma fuga em frente. Não tanto por se tratar de marcos, mas porque atitudes deste calibre, mais do que fomentar o diálogo salutar, são propensas a fomentar a agressão verbal (coisa que, obviamente, se desaconselha).
É óbvio que um dado filme nos toca mais do que outros. Tal facto deve-se, sobretudo, às próprias vivências pessoais do espectador e ao momento em que a obra é vista. Acontece que, fazendo uso de um mínimo de racionalidade, conseguimos topar se um filme é fundamental, perdão, diferente (para o bem e para o mal). Acontece, ainda, que cada um dos filmes elencados serviu de dínamo/propulsor para muitas grandes obras. Ver Cinema é educar o olhar, alimentar a curiosidade e, simultaneamente, fazer o curioso (inevitável) exercício de comparar A a B ou o plano de X que é recriado em Z.
Não me levem a mal, que isto não é por se ir "contra a história", mas sim pelo mero falar por falar. O que se aprecia é o debate de ideias e não tanto a afirmação seca. No caso do Bresson, acho, salvo o devido respeito, que é mesmo uma falta de decoro total: Au hasard Balthasar é uma lição constante do uso da elipse.

quarta-feira, março 12

Certeza inabalável

Há dois tipos de realizadores: os que cortam de forma brusca e os que, com um suave movimento de câmara, nos fazem dançar entre planos, deixando-nos no limbo entre real e onírico. Buñuel, homem dotado de bestiário infindável, é do segundo grupo e não há realizador que me surpreenda tanto ao movimentar a câmara como ele*.

* delírio semi-cómico provocado por nova (re)visão de Le journal d'une femme de chambre.

domingo, março 9

Pavese

Tão bem que tu me entendes (ou que eu me revejo no que tu escreves):
p.. 89: "Se, nesta selva de interesses que é a terra, dizeis que existe uma coisa boa, e seriam os entusiasmos por um ideal - que ideal, pergunto eu? - porque sois, então, os primeiros a atacar e a apelidar de delinquente quem não possui o vosso ideal?"
p. 120: "Os homens que têm uma vida interior tempestuosa e não procuram um desabafo na palavra, ou na escrita, são simplesmente homens que não têm uma vida interior tempestuosa.
Dêem uma companhia ao solitário e ele falará mais alto do que qualquer outro"
p. 153: "A desventura máxima é a solidão. É tão verdade que o reconforto supremo - a religião - consiste em encontrar uma companhia que nunca falhe - Deus"*
p. 224: "Nunca estivemos completamente sós no mundo. Na pior das hipóteses, tem-se sempre a companhia de um rapaz, de um adolescente e, pouco a pouco, de um homem feito - daquele que fomos".

Cesare Pavese, Ofício de Viver, Relógio d'Água, 2004.

Acabado isto, fiquei com vontade de voltar aos Diálogos com Leucó ou, em alternativa, ao belíssimo Quei loro encontri (que parte de alguns dos Diálogos), de Jean-Marie Straub e Danièlle Huillet. Certamente uma necessidade súbita de pacificação interior e, consequentemente, com a selva em volta.

*Robert Walser, a dada altura d'O Salteador, sugere como sucedâneo/panaceia da solidão o Advogado. Certamente um pequeno delírio walseriano.

Z!

Contrariamente ao que o estado de semi-abandono deste antro possa fazer deduzir, estamos* vivos, tornando-nos lentos e miseráveis num qualquer recanto da terra. Continuamos a ver Cinema, a ler muito e a pensar - mal muitas vezes - ainda mais.
* estilo de escrita contaminado pela redacção simultânea de textos com fins académicos onde o plural majestático, esse estilo de escrita ligeiramente pretensioso que julga fazer lembrar ao leitor que é companheiro de pensamento do escriba, é regra.

domingo, março 2

Pensamento solto: D.O.A.

Fotograma de Kiss me, deadly

Há alturas em que os mais insuspeitos filmes nos fazem pensar no próprio umbigo: ver de enfiada D.O.A., de Rudolph Mathé e Kiss me, deadly, de Robert Aldrich é uma experiência cinematográfica curiosa e única. Desta vez não penso tanto na excelência da dita experiência, mas sim em algo mais prosaico: a aplicação ao real dos títulos de ambos e das temáticas versadas: neste mundo-cão que teima em viver a 150 km/h e onde, pelos vistos, trabalhar 10 dez horas por dia começa a virar regra*, dá vontade de dizer que estamos mortos à chegada (ou que vamos sendo mortos todos os dias à chegada a essa nova proletarização) e que vivemos numa qualquer paranóia colectiva que nos cega e impede de ver o Mundo em volta: ergam um qualquer lema e depois é esquecer o que conta, o Outro. Parece que o Homem teima em ver no seu semelhante um qualquer animal e não alguém igual.

*Marx, volta. Estás perdoado: precisamos de uma nova (re)leitura da História.

sábado, março 1

Anos 90

Desafio aceite, meu velho. Os filmes seguem pela ordem por que assomaram na minha cabeça:

Sicilia!, Jean-Marie Straub, Danièlle Huillet
I Hired a contract killer, Aki Kaurismäki
Ossos, Pedro Costa
A comédia de Deus, João César Monteiro
Adieu, plancher les vaches, Otar Iosseliani
Close up, Abbas Kiarostami
Vale Abrãao (versão integral, claro), Manoel de Oliveira
La Cérémonie, Claude Chabrol
The thin red line, Terrence Malick
La Belle noiseuse, Jacques Rivette

O problema é este: depois de 10 que assomaram à cabeça, vieram mais alguns. Exemplos:

Histoire(s) du Cinéma, Jean-Luc Godard
Sátátangó, Béla Tarr
Carlito's way, Brian de Palma
Goodfellas, Martin Scorsese
Ghostdog: the way of the samurai, Jim Jarmusch
La chasse aux papillons, Otar Iosseliani
Hana-bi, Takeshi Kitano
The Straight Story, David Lynch
Boogie Nights, Paul Thomas Anderson
Pulp Fiction, Quentin Tarantino
Listas é sempre uma complicação. Em qualquer caso, confesso que gostava muito de ver uma lista do Luís Miguel Oliveira e do Francisco Valente. Para além disso, desafio, como sempre, a minha bande à part: Miss Blues e Nunozu. No essencial, quem se sentir tentado a listar, avance.