sábado, junho 30

White Dog

White Dog, para além de ser injustamente considerado um filme infame,é, também, um filme onde Sam Fuller não deixa de lançar farpas a um Mundo do Cinema em mudança. Aqui, o alvo é R2-D2, numa tirada que permanece absolutamente actual tal como a temática do filme, que é um absoluto portento.

quarta-feira, junho 27

Piratas a sério...II

Dizia o Roberto em comentário ao post anterior, com toda a razão, que Captain Blood, incarnado por Errol Flyn, é um pirata à sério. Obviamente, contra factos não há argumentos.

domingo, junho 24

Piratas a sério...

...são os de Emílio Salgari: o Corsário Negro, Sandokan, o Leão de Damasco, o Corsário Vermelho, o Capitão Morgan. Enfim, um rol de personagens inesquecíveis.
Há coisa de alguns dias este escriba foi, por assim dizer, convencido a ir ver a terceira aventura do Capitão Jack Sparrow. Contrafeito, afundou-se na cadeira do Cinema verberando contra a sua sorte: Mas que raio. Isto é mais do mesmo, mas pior. 25 minutos depois optou pela sáida airosa: Olha, quando isto acabar, estou lá fora a ler e a beber o café da ordem*. Havia um motivo: todos os maneirismo de Depp não faziam esquecer os piratas à séria: os de Salgari (que um bloggeiro, perdão ex-bloggeiro, relembrou transcrevendo um belíssimo texto de Paulo Varela Gomes), personagens rudes, vivas e, acima de tudo, com um grande sentido de honra.
Coincidência ou não, ainda não havia muitas horas, o escriba de serviço encontrara alguns dos livrinhos (abençoada Rua Anchieta) que fizeram parte da sua meninice e preencheram o seu imaginário, da Colecção Salgari, da extinta Romano Torres. Novamente expressões como Filibusteiros, antropófagos, com mil trovões e expressões repovoaram o seu imaginário. Entre a escrita limitada, mas viva e vertiginsa, de Salgari e os efeitos especiais de Verbinski, Salgari ganha sem margem para dúvidas. E ficou com uma de duas conclusões: ou tem uma criança a querer viver dentro dele, ou, lentamente, está a transforma-se num velho jarreta que se apraz em reviver as sensações de criança. Mas isso são contas de outro rosário.
* é favor notar que esta saída extrema é precisamente isso: uma medida de último recurso. Simultaneamente, é a prova de um dos efeitos nefastos do Medeia Card.

terça-feira, junho 19

Filme-mosaico...filme-labirinto?

Um pensamento solto e, quiçá, tonto:
Nos tempos recentes o dito filme-mosaico tem conquistado adeptos, transformando-se numa quase total banalidade que, por via de regra, tende a produzir filmes absolutamente menores e confrangedores (pense-se em Crash, de Paul Haggis). Sendo assim cabe perguntar qual será a evolução desta "técnica". Provavelmente, será o filme-labirinto e, nesse sentido, uma leitura de Rayuela, o labiríntico e genial romance de Julio Cortázar, seja a melhor fonte de inspiração: Michelangelo Antonioni, no seu Blow-up (inspirado vagamente no conto Las babas del diablo de...Cortázar), talvez tenha lançado a chave para a evolução que ora se vai pressentindo.

segunda-feira, junho 18

A infinitude das coisas

(Re)ler Borges é, sempre, a oportunidade de franquer as portas aos labirintos da percepção (mormente da visão) e viajar à reflexão sobre o tempo e a sua (in)finitude, em contraponto à lógica do eterno retorno. Sem aviso, ao reler El libro de Arena, topei com esta frase que, talvez, se adeque que nem uma luva ao Cinema. Ou, pelo menos, algumas tendências que este conheceu:
"La línea consta de un número infinito de puntos; el plano, de un número infinito de líneas, el hipervolumen, de un número infinito de volúmenes..."

sexta-feira, junho 15

Pequena grande ironia

(imagem retirada, com a devida vénia, daqui)
Não de deixa de ser irónico o facto de ter sido um suiço, Alain Tanner, um dos poucos a saber captar a essência da cidade de Lisboa (no que à Sétima Arte diz respeito, claro). Em Dans la ville blanche o tempo pára. Tudo se resume a deixar fluir o tempo, que deve ser sentido, pressentido e saboreado. E, mais importante, a deambular pela cidade de câmara na mão, procurando captar a simbiose entre o tempo e o espaço da cidade. Lisboa é uma cidade dada ao Cinema. Dans la ville blanche é um belo exemplo disso mesmo.

quinta-feira, junho 14

Projecção no Infinito

Por este recanto acredita-se piamente que o Homem, esse bicho gregário, tem o vício de se projectar nos outros, de se rever no gesto alheio e de procurar projectar o seu sentir no ambiente que o rodeia (sendo que o inverso também é verdadeiro). Também por isso - ou talvez não - gosta-se muito da projecção no infinito, "elipse" suprema onde o objeto de estudo/visão é projectado na própria imagem: encaixa-se de forma tão indelével e perfeita que, sozinha, carece de sentido. Talvez por isso se idolatre por estas bandas Le Dernier Métro. É aí que Truffaut retrata o Amor à Vida e à Arte melhor do quem qualquer um dos seus filmes. Do mero ensaio de orquestra, passando à encenação da vida e, através dela, à descoberta da vida que a Ocupação fez esquecer, somos transportados para um mundo de fantasia. Georges Delerue, com uma banda sonora venturosa e poética, é o cúmplice perfeito, tal como o são Deneuve e Dépardieu, que (re)encontram a vida no teatro, descobrem-se e fazem-nos descobrir também a nós. Mais do que a encenação teatral, no palco de Le Dernier Métro é a vida em todo o seu esplendor quem sobe à cena.

quarta-feira, junho 13

As primeiras filas

Por mais estranho que possa parecer, o hábito recorrente de acampar nas primeiras filas de uma qualquer sala de Cinema tem uma explicação "dogmática". Ao ficar numa posição onde, por via de regra, é necessário inclinar ligeiramente a cabeça para cima - e este ângulo dependerá muito da arquitectura da sala em concreto - o espectador opta por ver um filme num longo plano contrapicado, manifestando a superioridade do Cinema e, consequentemente, a sua inferioridade para com o objecto amado. Não será tanto uma questão de receber as imagens primeiro como se diz em The Dreamers mas sim de afirmar o seu respeito/paixão relativamente ao celulóide em movimento.

domingo, junho 10

Peeping tom, um acto de amor

ou Uma fabulação tonta provocada pelas insónias:
Mark é sádico, perverso e voyeur, mas é, também, a vítima de um passado obscuro. Se, noutras encarnações, a câmara era o prolongamento da personalidade, em Peeping Tom ela surge como testemunha insensível e cruel do pânico e do terror. Mais do que um órgão corporal, ela é o mero instrumento de tortura que tenta captar reacções básicas: o medo das vítimas. Mais do que uma apologia do voyeurismo (tendência que, aliás, o cinema não tem descurado. Pense-se em Rear Window, por exemplo), o filme de Michael Powell procura ser um tratado psicanalítico que parte da tutelar figura do pai, instrumentalizando o voyeurismo de Mark para funcionar como síntese do próprio Cinema.
Efectivamente, em Peeping Tom vemos tudo através de filtros, sejam eles a emulação da câmara de Mark, espelhos ou janela. Talvez por isso, o aspirante a realizador Mark é o retrato (extremado, claro está) de uma das funções do Cinema: construir realidades, através de filtros - que, em última análise, mais não são do que a câmara que capta o que se atravessa na sua objectiva. Ao fazê-lo, Powell transforma Mark no espectador dilacerado pelas imagens que capta. Dir-se-ia que que o seu intuito é fazer-nos rever no papel de espectador, projectados nesta criatura sádica, mas capaz de suscitar ternura.
Peeping Tom é um acto de amor e de ternura. Quer para com Mark, ou não fosse ele vítima dos maus tratos paternos, quer para o espectador, já que, por vias travessas, reflecte no écran algumas das sensações típicas que se experimentam nas cadeiras de uma qualquer sala. Salientemos o óbvio: o Cinema depende, sobretudo, do olhar. Certamente não será à toa que o filme comece pelo grande plano de um olho. Mais do que olhar petrificado das vítimas, será, provavelmente, a emulação/reminiscência do olhar do espectador. Com isto voltamos ao ponto inicial: Peeping Tom é um acto de amor perverso.

quarta-feira, junho 6

A força da "dogmática"

Fontane - Effi Briest oder: Viele, die eine Ahnung haben von ihren Möglichkeiten und Bedürfnissen und dennoch das herrschende System in ihrem Kopf akzeptieren durch ihre Taten und es somit festigen und durchaus bestätigen
[Fontane - Effi Briest ou os muitos que fazem uma ideia das suas possibilidades e necessidades, porém, aceitam na sua cabeça a ordem dominante, através das suas acções, ajudando, dessa forma, a sustentá-la e a fortalecê-la]
Almas confusas ou, pura e simplesmente, influenciáveis não se devem aproximar de ânimo leve a um filme de Rainer Werner Fassbinder: a sensação de desespero ou, pior, a sensação de se ter chegado a um túnel sem fundo ou a um buraco negro podem vir a dominar o espectador.

terça-feira, junho 5

O medo come a alma


Dizia o Luís Miguel Oliveira n'"O Público" que Fassbinder não fazia filmes. Fazia bombas. Angst essen Seele auf talvez seja um dos melhores exemplos para ilustrar essa afirmação.
Basendo-se no argumento de All that heaven allows, de Douglas Sirk, Fasbinder busca o extremo e a provocação máxima. Ao mostrar-nos - porque é, literalmente, do que se trata: mostrar - a história de uma viúva sexagenária que se apaixona por um emigrante árabe vinte anos mais novo, Fassbinder, de uma penada, ataca a moral e a ordem pública alemãs vigentes: vemo-nos no meio de preconceitos raciais, crises de identidade profunda do povo alemão, sempre emoldurados pelo sentimento agónico que pauta o seu Cinema: a busa incessante de uma felicidade que ora teima em fugir ora teima em esconder-se numa gruta qualquer.
Em Angst essen Seele auf deparamos, ainda, com a sensação de alienidade, da incapacidade de pertença a um microcosmos. Não se trata, apenas das dificuldades linguísticas dos estrangeiros. Pelo contrário, em Ali, cada Ser é um ilha isolada num oceano de incompreensão, mesquinhez e inveja. Trata-se - com as devidas distâncias - de um retrato levado ao extremo do sentimento trágico da Vida. Citando Unamuno, que aqui encaixa que nem uma luva: o amor é um egoísmo recíproco ou, ainda, o amor é filho da ilusão e pai da desilusão. Um duplo vértice presente de forma dominadora nesta bomba, onde a câmara é, o mais das vezes estática, para, num ápice, nos brindar com um sinuoso travelling que visa aproximar-nos do pathos das personagens.
Sobra, apenas, uma certeza Das Glück ist nicht immer lustig.

domingo, junho 3

Do Amor/ódio

Ás relações tensas entre Werner Herzog e Klaus Kinski são lendárias. Este é, apenas, uma amostra da árdua tarefa com que um realizador tinha de se defrontar para dirigir o brilhante, mas altamente instável e irascível, Klaus Kinski.