segunda-feira, agosto 28

Verdades dogmáticas (inabaláveis?) II

Eis uma sucessão de dúvidas, aparentemente desconexas e sem grandes elementos em comum, que assolam o bloggeiro de serviço:

I
Miami Vice, estranhamente, é dos melhores filmes estreados este ano. Um típico blockbuster capaz de surpreender não no enredo, mas sim no virtuosismo de Michael Mann enquanto esteta. Vimos o re-inventar de um género sem uma rotura assumida.
II
Muitos filmes que não têm tido a atenção de boa parte dos meios de informação.Entre os excluídos reina, com grande distância, Les Amants Réguliers, verdadeira lição sobre como fazer cinema com poucos meios e, mais importante, reflexão sobre o contexto cinematográfico que viu nascer o seu autor: a Nouvelle Vague.
III
O papel do cinéfilo (se é que o termo, enquanto tal, ainda mantêm o seu verdadeiro alcance) é o de divulgar os bons filmes que vão estreando, podendo, de preferência, enquadrá-los quer na obra do realizador, quer num determinado contexto, de molde a informar os interessados.
IV
Todavia, os interessados num dado filme devem (tentar) evitar tomar conhecimento sobre o mesmo antes de o verem. Só assim poderão fazer um juízo criterioso e não influenciado acerca do que viram (há que minimizar, pois, a pré-compreensão (Vorverständnis) de cada um) . E com isto abandono (aparentemente) a Trindade defendida André Bazin: apresentação, visionamento, discussão.
V
Só após esse visionamento nasce a possibilidade da troca de ideias. Seja ela mais ou menos acalorada. Em qualquer caso, sem paixão, o debate ficará sempre empobrecido.
VI
Pode ser impressão minha, mas muitos dos que vão ao Cinema só lá vão ou porque viram as estrelas constantes de classificações alheias ou porque os meios de comunicação social se debruçaram sobre determinado filme (um exemplo: a campanha sobre o renascimento do Super Homem nas televisões certamente chamou espectadores as salas. Problema: obras melhores não foram objecto da devida atenção).
VII
Se a propósito de Miami Vice salientei uma revolução tranquila, acho que o panorama cinematográfico em Portugal merece uma revolução não tão tranquila. No mínimo, é chegada a hora da auto-avaliação dos métodos de cada um. Mais importante, convém que aqueles que se dedicam profissionalmente à Sétima Arte o façam com conhecimento de causa.
VIII
Tudo isto para evitar que os generalistas especializados singrem no Mundo do Cinema.
O que se vos oferece dizer?

sexta-feira, agosto 25

Dá que pensar...

Alberto Moravia

"(...) O argumentista, portanto, é o homem que fica sempre na sombra, que sua seu melhor sangue para o sucesso de outros; e que, embora o êxito do filme dependa dois terços dele, nunca verá o seu nome nos cartazes publicitários, onde são, pelo contrário, indicados os do realizador, dos actores e do produtor. Ele pode, é verdade, como acontece frequentemente, alcançar também nome neste seu mister subalterno, e ser pago muito bem; mas nunca pode dizer: «Este filme fi-lo eu» Isto pode dizê-lo somente o realizador, que, com efeito, é o único a assinar o filme. (...)"

in Alberto Moravia, O desprezo (tradução de Maria Tereza de Barros Brito), Editora Ulisseia, p. 49

domingo, agosto 20

Regresso momentâneo... II

Quis o acaso que visse o novo filme de Philippe Garrel por duas vezes. A razão: o primeiro visionamento não me deixou totalmente satisfeito. Precisava de ir mais fundo no que vi. O resultado dos visionamentos virá a seguir. Não resisto a partilhar com todos a experiência única que Les Amants Réguliers proporciona.
E sim, lembro-me que disse que só voltaria em Setembro, mas o vício venceu-me e foi mais forte...

O Eterno Retorno

Clotilde Hesme e Louis Garrel em Les amants réguliers

É tarefa quase impossível ver Les amants réguliers sem que a máxima do Eterno Retorno não nos invada. Poderíamos ser tentados a afirmar que tal deve-se ao facto de estas serem as memórias do Maio de 68, segundo Garrel, ou porque estamos perante mais uma incursão nesse momento fundamental da História. Podia ser, mas não é.
Garrel, sob as vestes das suas memórias lúcidas e agridoces de tempos idos, aproveita para revisitar a Nouvelle Vague, movimento que o viu nascer para o Cinema. Com efeito, para além de estarmos perante uma prodigiosa fotografia a preto e branco, temos o prazer de rever postulados essenciais do movimento francês: jump cut, histórias banais, cenários naturais (pese embora a cena das barricadas não parecer assim tão natural…). Mais importante, somos brindados por um exercício de cinefilia: temos referências ao genial Prima della rivoluzione de Bernardo Bertolucci e às personagens de Pasolini.
Eis a chave de leitura deste soberbo filme: a par do romance de François (Louis Garrel) e Lilie (Clotilde Hesme), avulta o revisitar de uma geração povoada de ideaais, para quem debaixo da calçada está a praia. Uma geração de artistas, filósofos e livres pensadores que acabará por acostar-se ao “burguês”, o endinheirado que sustenta o vício das drogas e lhes dá guarida. E aqui entram, insidiosamente, os universos de Bertolucci e de Pasolini, figuras incontornávei da segunda vaga italiana, que, curiosamente, operou a recepção crítica da Nouvelle Vague em Itália, logo após a explosão do movimento em França em 1959.

Com efeito, ao vermos a progressiva transformação destes jovens revolucionários em boémios diletantes, não deixa de ecoar na memória a formação ideológica de Fabrizio em Prima della rivoluzione. Todavia, não vemos aqui o jovem burguês apaixonado pelos ideiais marxistas. Vemos precisamente o contrário. Garrel, no seu exercício de memória, mostra-nos a sedução de que o dolce far niente teve nos idealistas de Maio. Assim, ao longo do tempo veremos o desligar progressivo do ideal, para redundarmos na contemplação estagnada da realidade. Como num pântano, estes jovens param. Ficam num estado contemplativo, talvez à procura do Nirvana que não chega. E tudo isto feito através do recurso a um realismo cru, que relembra a fase inicial de Pasolini.
Mas este é o filme que revisita a Nouvelle Vague. Nesse particular, faz-nos lembrar, quer pela sua fluidez, quer pela sua dimensão a obra fundamental de Jean Eustache: La maman et la putain (sublinhe-se que anda lá um jovem que até dá ares de Jean-Pierre Léaud…). Talvez seja esta a influência mais marcante e não declarada de Garrel. Tal como em Eustache, vimos a Paris dos cafés, povoadas por jovens que, deambulando sem destino, procuravam a sua identidade. Pelo meio, veio o amor. E, tal como em Eustache, surgiu o trágico. L’amour est mort dir-se-ia. E, tal como na magna opus de Eustache vimos a abstracção. O dissecar dos sentimentos e da alma, até atingirmos o infinito, o vazio. Tivéssemos aqui um trio amoroso estabelecido e diríamos que Eustache ressuscitou.
Simples. Deliciosamente simples. Les amants réguliers também revisita a iluminação expressionista. Basta atentar nos rostos diluídos na penumbra ou apenas no olhar que sobressai no escuro da tela. Uma simplicidade, que também se reflecte na banda sonora. Apenas a teremos nos interlúdios amorosos de François e Clotilde, marcando o idílio e iludindo-nos na crença que tudo acabará bem. Tirando isso, resta o silêncio. Um silêncio ensurdecedor, apenas cortado pelos diálogos espaçados e profundos.
Garrel não inventou a roda e confirmou, de certo modo, a máxima do Eterno Retorno. O Cinema é um produto cultural. É o resultado do que foi feito antes. Garrel demonstrou-o através deste regresso às origens do Cinema puro. E, ao fazê-lo, não só pelo resultado, mas, sobretudo, pelo modo como o fez, recuperou a luta contra o Cinema de Papa que Truffaut, Godard e seus sequazes pugnavam.
Deste modo, este filme não só é uma pedrada no charco, como marca um regresso às origens do Cinema. Tal como os bons vinhos, Les amants réguliers foi feito para ser saboreado e não para ser consumido num ápice.


PS, à guisa de lamento: pena é que apenas uma sala em Lisboa, o King, o exiba. Sinais dos tempos. Parece que o cinéfilo é uma criatura não querida pela maioria dos distribuidores de filmes.

sexta-feira, agosto 18

Regresso momentâneo...

...para agradecer, se bem que com algum atraso, ao Lauro António pelas palavras tão simpáticas que me endereçou no seu blog.

Uma vez mais, obrigado.

quarta-feira, agosto 9

Bello paese mio

Agosto. Silly season. Férias. Um bloggeiro de serviço acossado pelos inúmeros afazeres. Académicos e não só. Eis o sinónimo de férias blogosféricas. Em Setembro voltarão as recordações de tempos idos e as reflexões sobre o cinema que se vai fazendo.
Nos entretantos, o redactor destas linhas, sempre embalado pela Canzone barese de Rocco e i suoi fratelli continuará vivendo na projecção dos espectros, com os fotogramas inesquecíveis encrustados na memória, como se se tratasse do maior dos filões de minério alguma vez visto. E, votando-me ao silêncio, momentaneamente, vem-me à memória o plano final de Rocco: vazio da alma, da família e da humanidade, contrabalançado pela esperança na infância e na juventude, repositório de fé e último reduto da inocência...
O bello paese mio, terra lontana...
Até Setembro.

sexta-feira, agosto 4

Cinema Existencial II

Até pode ser um plano panorâmico, mas a memória redunda num plano picado.

Cinema Existencial

A vida é um travelling de duração indeterminada.

quarta-feira, agosto 2

Verdade insofismável?

Jean-Paul Belmondo em Pierrot le fou


"Tendre et cruel...réel eu surréel...terrifiant et marrant...nocturne et diurne...solite et insolite...beau comme tout... Pierrot le Fou!!!"
in Pierrot le fou

Bem vistas as coisas, todos nós somos esta amálgama de paradoxos, ou não?